Dia de comemorar os 2 meses dos 50 anos de School’s Out, de Alice Cooper
Por Luis Fernando R. Borges – Coxa
Nada como começar um texto com um pretexto para falar de algo que se quer falar. Nem que seja forjando/forçando uma efeméride. Mania de jornalista. Ou melhor, de formado em Jornalismo e que acabou indo direto da graduação para a pós-graduação e daí para a vida de professor universitário. Ou seja, alguém que nunca conseguiu ficar “fora da escola”. E agora vai escrever sobre School’s Out.
Obviamente que a minha motivação não é o meio século de existência desse disco, e muito menos o segundo mesversário dessa data, completado neste 30 de agosto. O que me vem à mente é uma memória pessoal, um dos momentos mais marcantes que eu vivenciei enquanto comprador de discos e ouvinte de música.
Em um dos primeiros dias do ano de 1993, do alto dos meus 17 anos, peguei o metrô de Canoas para Porto Alegre, percorrendo os 20 minutos de trajeto pelos trilhos para ir em uma loja de discos usados – os tais dos sebos – para vasculhar o balaio de promoções, em uma das primeiras vezes em que realizei o que não tardaria a se tornar um hábito pelos anos e décadas seguintes. E o episódio em questão foi um dos grandes culpados para arraigar essa prática neste que vos escreve.
Nesse início de 1993, o grunge estava no seu auge. No fim de 1991, o Nirvana havia despontado no rádio e na MTV com Smells Like Teen Spirit, abrindo a porteira do mercado fonográfico para o rock alternativo, sobretudo para outras bandas de Seattle, a exemplo de Pearl Jam, Soundgarden e a outra Alice deste texto. E o advento dessas bandas trouxe a reboque o próprio termo “grunge”, concebido para englobar em um mesmo saco de gatos grupos bastante diferentes entre si. E, dias depois do meu garimpo no sebo que eu ainda não comecei a contar, no final de janeiro aconteceria a edição daquele ano do Hollywood Rock, festival que contou com Nirvana e Alice in Chains, além de outros alternativos emergentes, como a banda feminina L7 e o então ainda não domesticado Red Hot Chili Peppers.
Esse era o contexto musical da época, dominado pelo tal do grunge, que acabou soterrando alguns movimentos musicais que não chegaram a vingar, batizados com outros rótulos criados para agrupar em um mesmo saco de gatos bandas completamente distintas umas das outras com a intenção de vender mais facilmente seus respectivos discos, como o funk-metal de Faith No More e Living Colour – e do próprio RHCP – e do indie-dance dos Happy Mondays, EMF e Jesus Jones. Cito essa bandas por terem feito parte de festivais que eram transmitidos em horário nobre de TV aberta pela Rede Globo: o ainda existente Rock in Rio e o já extinto Hollywood Rock. O Rock in Rio de 1991 contou com Faith No More e Happy Mondays, e o Hollywood Rock de 1992 lançou mão de Living Colour, EMF e Jesus Jones. Sem falar nas principais bandas do hard rock do período, como Guns’n’Roses e Skid Row, capturados em seu auge respectivamente no Rock in Rio de 1991 e no Hollywood Rock de 1992 – que ainda contou com o Extreme.
Mais o que o contexto musical da época, trata-se do meu contexto pessoal de iniciação musical. Antes do surgimento do grunge, eu ainda estava impactado pelas inovações trazidas por grupos como Faith No More e Happy Mondays. Mas, quando do estouro das bandas de Seattle, eu já estava em uma fase de pesquisar por sons mais antigos, dos anos 1960 e 1970, e constatando que as tais inovações não eram tão inovadoras assim. Não tardei a perceber que a sonoridade do Nevermind estava todinha contida em uma música dos Stooges chamada I Wanna Be Your Dog, lançada em 1969 no disco de estreia da banda do Iggy Pop. O mesmo aconteceu com o tal do indie-dance, dissecado de forma quase didática por Peace Frog, desconhecida música de 1970 dos The Doors presente no disco Morrison Hotel – com a única diferença de que o vocal do Jim não era exatamente sussurrado…
Apesar desses baldes de água fria, eu estava bem envolvido com as novidades do rock da época. Mas já sabia que não eram tão novidades assim. Ainda assim, não deixava de curti-las. Ao mesmo tempo, já tinha mergulhado de cabeça nos sons de outras épocas, e ouvindo muito Led Zeppelin, Janis Joplin, Black Sabbath e Jimi Hendrix. E, nas vésperas daquela ida ao sebo, eu estava particularmente focado na obra do Rush.
Bom, agora chega de suspense. Nem parece jornalista… Tudo bem, acabei virando professor de jornalismo e não exercendo a profissão propriamente dita. Mas contextualização tem limite. Pois bem, naquela época eu já frequentava sebos de discos, mas não explorava balaios pra valer. Balaios, mesmo, só de fitas cassete de lojas de discos novos. Sim, isso ainda existia. Em compensação, a moeda ainda não era o real, e sim o cruzeiro. Nessas lojas de discos novos, o preço de um disco novo era em torno de 13 cruzeiros, metade do preço de um CD, que ainda não tinha começado a predominar nas prateleiras com relação ao LP. E no balaio em questão do sebo em questão – a Stoned Discos, já extinta, infelizmente – os discos custavam 1 cruzeiro cada.
Foi lá que, entre muitos atrativos dispensáveis, eu encontrei um disco do Rush, o Power Windows, de 1985. Empolgado com a descoberta, e com a possibilidade de adquiri-la a um custo 13 vezes menor do que o de um disco novo, resolvi levar outro disco que estava dando sopa por ali. Sim, ele mesmo, o School’s Out, do Alice Cooper.
Tudo o que eu conhecia desse sujeito era a faixa-título do disco Hey Stoopid, lançado em fins de 1991. Um som bem hard rock farofa, com aquela cara de fins de anos 1980, fraquinho mesmo. Essa foi a minha “empolgação” quando bati os olhos na capa do School’s Out. Mas, por 1 cruzeiro, resolvi dar uma chance ao coitado. É claro que eu me dei conta de que se tratava de uma época bem distinta e distante da carreira do cantor. E também sabia que nem era um disco do cantor, e sim da banda. Sim, em 1972 Alice Cooper ainda era uma banda, que levava o nome do vocalista – tipo Bon Jovi. Ainda assim, esse disco da banda Alice Cooper figurou na compra como um mero coadjuvante, quase um brinde pela compra do Power Windows.
Fazendo o trajeto de volta de metrô rumo a Canoas e chegando em casa, de imediato coloquei na vitrola o disco do Rush. Em 1985, a banda estava plenamente mergulhada em uma fase que eu não diria ser exatamente pop, mas que era marcada por músicas menos longas e/ou pesadas e que possuíam um uso marcante de teclados. Isso para mim não era novidade, eu tinha a gravação em fita cassete do disco duplo ao vivo A Show of Hands, de 1989, que continha algumas músicas do Power Windows, como Big Money e Marathon. E também tinha a gravação do videoclipe da Marathon, feita diretamente da televisão por meio de um videocassete. Músicas bem legais, que eu curto até hoje. Ainda assim, eu terminei a audição do Power Windows com um sorriso estampado no rosto. Um sorriso amarelo. Claro, nem de longe é um disco ruim, mas também nem de longe produziu em mim a empolgação das minhas audições do Rush imediatamente anteriores.
E foi nesse cenário que, de imediato, fui para a audição do desacreditado Alice Cooper. Não tenho nem palavras para descrever o impacto que foi. Ao final do lado A, eu já estava de joelhos diante da vitrola, numa empolgação que nem os melhores momentos do Rush nem de perto produziram. Em primeiro lugar, foi a desconstrução de mais uma daquelas novidades que então se mostraram não tão inovadoras assim. No caso, o Faith No More e seu disco The Real Thing, fundamental na minha formação musical e que eu adoro até hoje, mas que a partir de então percebi não ser nenhum divisor de águas no rock. A mistureba musical – na época chamada de “crossover” – promovida no disco de estreia do Mike Patton no Faith No More não passa de café pequeno perto do que é feito no quinto disco da banda Alice Cooper, em que rock pesado e jazz de trilha sonora de desenho animado (ou de boteco vagabundo, ou de circo) parecem feitos um para o outro. E aí entra em cena a qualidade dos arranjos e dos instrumentistas. Nenhum deles conseguiria vaga no Rush, mas ninguém ali era fraco, e além disso eram criativos. E aí é que se vê – ou melhor, se ouve – que Alice Cooper é muito mais do que performance de palco e pirotecnias teatrais. Na parte visual, o vocalista recebia todos os holofotes – e cobras, e bonecos, e guilhotinas… Na parte auditiva, ele parece ser dos que menos apitava. Basta perceber que o principal compositor era o guitarrista base e tecladista Michael Bruce, o principal arranjador era o guitarrista solo Glen Buxton (único falecido – em 1997, aos 49 anos), o baixista Dennis Dunnaway também arranjava e compunha, e o baterista Neal Smith era o músico virtuoso e performático, além de algumas composições esporádicas. É claro que o Alice Cooper também tinha o seu valor, não só como principal letrista, mas também certamente trazendo suas contribuições para as músicas como um todo – além de cantar bem melhor do que o Geddy Lee. Mas os demais integrantes da banda nem de longe eram meros músicos de apoio. Apesar da banda levar o nome do vocalista, ali todos pareciam atuar de igual para igual.
Vamos às músicas. Começando pela faixa-título, com seu riff pesado e marcante, e atmosfera circense no final, com direito a coro de crianças não exatamente comportadas. Na sequência, Luney Tune, cujo nome traz lembranças de desenho animado e cujo som traz lembranças dos melhores momentos dos Rolling Stones, em versão mais turbinada e com um trecho meio circense no meio da música. Terminado esse rock’n’roll, que aliás era uma das especialidades da banda, vem Gutter Cats vs The Jets, cuja letra relata uma briga entre duas gangues, tendo como trilha sonora uma das melhores introduções de baixo da história, um jazz fuleiro no meio e uma simulação sonora de confronto ao final, com direito a sons de vidro quebrado e de miados. Fechando o lado A, vem Blue Turk, um jazz de boteco em noite chuvosa, com aquela pitada roqueira que lembra um pouco The Doors. Foi esse o lado A que me fez cair para trás quando eu ouvi pela primeira vez, quase 30 anos atrás. Ouçam e entendam.
Eu já estava completamente rendido, nem precisava ouvir o lado B, que também não deixa por menos. My Stars é meio rock meio balada, meio soturno meio circo, com presença marcante de piano. Public Animal nº 9 é outro daqueles exemplares de rock’n’roll estilo Rolling Stones turbinado. Alma Mater começa meio balada country e depois engrena num som meio Beatles na linha do que se ouve no Abbey Road ou no Álbum Branco, tudo com um efeito de claustrofobia na voz do Alice Cooper. E Grand Finale é Alice Cooper sem Alice Cooper, uma música instrumental com cara de trilha sonora dos anos 1970, regada a orquestra e sintetizador e que cairia como uma luva em boa parte dos filmes do Tarantino, na linha do Django.
Claro que, depois de uma paulada sonora dessas, não tardei a tratar de ir atrás do restante da produção do Alice Cooper. E tem muita coisa boa, principalmente da banda. Dentre seus 7 discos, destaque especial para o que se ouve do terceiro ao sexto disco, 4 obras lançadas em um intervalo de 2 anos, de 1971 a 1973: Love It To Death, Killer (ambos de 1971), School’s Out e Billion Dollar Babies. Todos no mesmo nível do School’s Out, sendo o Killer talvez até um pouco melhor, com direito a músicas como Desperado, um country rock cujo instrumental chega a lembrar Legião Urbana em fim de carreira, e sobretudo Halo of Flies, que abriga em uma única música toda a mistureba sonora da banda, uma montanha-russa musical que apresenta em seu miolo um trecho que se configura como um verdadeiro ancestral do som do Metallica.
Conclusão: o School’s Out segue com sua cadeira cativa na minha coleção de discos, enquanto o Power Windows, após algumas poucas audições posteriores, acabou naquele mesmo ano de 1993 sendo passado adiante para algum outro sebo.