Na mira das versões
Por Luis Fernando R. Borges – Coxa
A edição mais recente do Na Mira do Rock completou 1 mês no último dia 11. Gostei muito do festival. A começar por ter sido o primeiro evento de música ao vivo de grande porte que eu presenciei nesta década. O último foi antes da pandemia. E principalmente pelo elenco de atrações, que foi capaz de abranger uma gama bem ampla de gostos e preferências dentro do universo do rock e do metal. E ainda tendo como headliner o Viper, que possui a cara do evento, e com potencial de atrair excursões de várias cidades do interior, próximas ou não de Frederico Westphalen, que mais uma vez sediou o Na Mira. Enfim, foi tudo muito bem pensado. O único senão foi o público. Não a qualidade. O ambiente do Na Mira estava muito alto astral. O problema foi mesmo a quantidade. Mesmo tendo um carro-chefe com a potência do Viper, cujo motor aliás roncou bem alto no palco do festival, no fim quem mais chamou gente de fora foi a Electric Funeral, banda cover do Black Sabbath que trouxe consigo seu público fiel conterrâneo de Santa Maria. Ficou muito claro que estamos em um ciclo um tanto em baixa para o rock no momento. Aqui em Frederico isso já vem de bastante tempo, mas mesmo cidades próximas e que possuem um cenário roqueiro bem fervilhante – ainda que algumas delas bem menores do que FW – não se dignaram a dar o ar da graça em terras frederiquenses. Mas, como eu falei, as coisas são cíclicas. Ainda que o ciclo de gêneros ultra popularescos como o sertanejo universitário e o funk – sem falar em derivações como o piseiro – já esteja durando mais de uma década e ainda não esteja dando sinais de que vai acabar tão cedo. E isso que estamos falando de músicas altamente repetitivas e parecidas entre si, sendo praticamente impossível distinguir uma dupla sertaneja de outra. Até a música brega dos anos 1980 era diversificada, com um mínimo de aspirações artísticas. Wando hoje fica parecendo Drummond. Sim, o cenário não é dos mais animadores. Mas sigo teimando pelo surgimento de novos ciclos.
Mas voltando aos atrativos do festival, estes não se limitaram apenas às bandas. Havia por lá um espaço para venda de CDs, DVDs e sobretudo LPs. Prontamente me atraquei nos discos de vinil e tratei de fazer as minhas compras, que fiquei segurando em uma sacola no decorrer do evento juntamente com a camiseta e o copo personalizados do Na Mira que eu também havia adquirido. Além do DVD “The Early Years Live” (2001), dos Dead Kennedys, lançado inicialmente em fita VHS em 1987 contendo gravações ao vivo de início de carreira da banda punk, comprei o LP “Beatles Latino”, de 1977, e ainda ganhei de brinde com essa compra o DVD “Pulse” (1995), show ao vivo feito na época pelo Pink Floyd, só para deixar ainda mais eclético o meu pacote de aquisições. Confesso que fiquei em dúvida entre esse “Beatles Latino” e o “Give Us a Wink!” (1976), do Sweet, banda cujo som quase nada tem a ver com a doçura sugerida pelo nome. Sou fã desse grupo, mas acabou prevalecendo a curiosidade, para além até mesmo da diferença de preço (50 a 80 reais). Comprei então o “Beatles Latino” já sabendo que iria me arrepender de ter preterido o disco do Sweet, mesmo imaginando como seria o som deste.
No dia seguinte, a primeira coisa que eu fiz foi procurar no youtube o disco do Sweet. O link é https://www.youtube.com/watch?v=WAz4j6tTWJo&t=113s. E não deu outra: discão, mantendo o nível de qualidade da banda e sua sonoridade característica. Na sequência, fui fazer o mesmo com o “Beatles Latino”. E aí prontamente o meu arrependimento passou. Não por se tratar de um disco muito melhor do que o do Sweet. Pelo contrário: eu simplesmente não consegui ouvir o disco. Sim, trata-se daqueles que não existem no youtube e nem na internet como um todo. O máximo que eu encontrei foi alguns poucos links de venda do LP. Mas para ouvir, que é bom, nada.
Mas vitrola é para isso. E lá fui eu botar o disco para tocar.
Antes de mais nada, devo dizer que esta não é a minha primeira aquisição de disco de versões dos Beatles. Tenho outros dois. E esses três discos são bem diferentes entre si. E essa é uma particularidade de discos de versões, dos Beatles e de seja quem for. As versões podem ficar bem boas, ou ainda estranhas mas respeitáveis. E podem ficar tão ruins que chegam a ficar boas, pelas risadas que provocam. Ou podem ficar ruins mas não o suficiente para gerar humor involuntário.
O primeiro deles é o “Gipsy Beatles”, lançado em 1991 pelo grupo espanhol Los Rolin, na esteira do sucesso dos Gipsy Kings – tanto que o nome “Gipsy Beatles” foi escrito com a mesma fonte de letra da logo da banda. Trata-se de versões flamenco de músicas dos Beatles. Detalhe: os espanhóis vieram até o Brasil para gravar o disco. Apesar de muito bem tocado e gravado, tudo se encaixa perfeitamente naquela definição do “tão ruim que é bom”. Mas, pesquisando na internet para a produção deste texto (ou ao menos deste parágrafo), cheguei à conclusão de que ao menos eles estavam cientes da ruindade. O líder do grupo, um tal de Paco Aguilera, parece ser o típico bonachão fanfarrão que não se leva a sério – o que não deixa de ser uma qualidade. E sim, há farto material a respeito na internet em geral e no youtube em particular. O próprio Paco Aguilera tem um canal no youtube. E um dos links do disco é https://www.youtube.com/watch?v=giRbxEsNw8w.
O outro disco é o “Let It Be” (1988), quarto disco do Laibach, um grupo esloveno – na época ainda iugoslavo – de música eletrônica pesada e nada dançante. Sim, é a regravação do último disco dos Beatles, na íntegra – ou quase, pois ficou de fora apenas a faixa-título. Aqui é o típico caso “estranho mas respeitável”. Logo de cara surge “Get Back”, talvez a música mais conhecida do disco, que funciona como um cartão de visitas dos eslovenos. É só mentalizar a original dos Beatles (que todo mundo conhece) e comparar com o que foi feito na versão do Laibach. Mas para mim o melhor exemplo é “I Me Mine”, composição não tão conhecida do George Harrison, que no disco do Laibach é a quarta faixa. Está tudo aqui nesta playlist: https://www.youtube.com/watch?v=VLvtuzt0I7A&list=OLAK5uy_mtjkNmPxIB7uVKmHdbkWeXQJQAMWrp76o&index=1.
Agora, versões realmente boas são feitas por artistas como o Señor Coconut, alter ego do alemão Uwe H. Schmidt que se dedica a fazer versões latinas de clássicos do rock. Ainda não rolou disco dedicado aos Beatles. Mas, em compensação, esse señor fez algo ainda mais impensável: regravar seus conterrâneos do Kraftwerk, precursores da música eletrônica, com instrumentos acústicos e de percussão. O resultado é “El Baile Alemán” (2000). Antes de começar a rir com antecedência, trate de clicar em https://www.youtube.com/watch?v=nGnFF5w5sro, e dar uma conferida, especialmente em “The Robots”, faixa 3 do álbum. E, para não deixar dúvidas de que latinidade não é necessariamente sinônimo do humor involuntário do Los Rolin, tem ainda o “Fiesta Songs” (2003), recheado de clássicos do rock e do pop, como a faixa de abertura “Smoke on the Water”, “Riders on the Storm” e “Beat It”. É só conferir na playlist https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mtAgUIN_vrfl72XyVhE6K30HD1hTWGxRI, pena que não aparece a capa, mas isso é fácil de encontrar no próprio youtube.
Tá, mas e o “Beatles Latino”? Ainda não cheguei a uma conclusão. Não sei se é ruim o suficiente para rir ou não. E não sei se é bom o suficiente para levar a sério. O que sei é que são versões altamente criativas e elaboradas, daquelas que revelam outras possibilidades rítmicas, melódicas, harmônicas e de andamento para as composições de Lennon & McCartney – sim, não há nenhuma do Harrison. Algumas delas chega a ser difícil de reconhecer logo de cara. E o som não é unicamente “latino”. Remete muito àquelas big bands de jazz dos anos 1930, e contendo até mesmo uma pitada daquela jovem guarda instrumental dos discos do Lafayette, por conta da presença dos teclados. Trata-se de um som latino muito mais orquestral do que percussivo. Não é à toa que foi gravado por Sydney Thompson and his Orchestra. Sobre esse senhor, também não há maiores informações na internet. Além de diversificados discos no youtube para ouvir e no google para baixar, há um brevíssimo verbete em inglês no wikipedia, dando conta de que ele “was a BBC bandleader of the 1950s”, o que dá a entender se tratar de alguém britânico e falecido – não há cidade e data de nascimento e de morte. Sem dúvida o homem é competente. Só não sei se o bastante para eu gostar ou não desse “Beatles Latino”, e de que forma gostar ou deixar de gostar. Mas já gosto de antemão quando discos provocam esse tipo de confusão mental.
Vou ter que ouvir novamente o disco, no mínimo mais uma vez. Com licença.