Festival Na Mira do Rock em retorno triunfal
Por Eduardo Cadore
Dia 11 de fevereiro de 2023 tivemos em Frederico Westphalen o retorno do evento mais tradicional voltado ao Rock do interior do Rio Grande do Sul. O Festival Na Mira do Rock não ocorria desde 2017, quando teve a última realização após anos levando nomes do Rock e Heavy Metal nacional e mundial para os palcos da pequena Frederico Westphalen, na região norte do RS.
Capitaneado pelo Luiz Nunes (Fuga), a mais recente edição teve história na Liv Space, recebendo 6 bandas, dentre grupos locais (Oblivion e Ouija), a bandas de outras regiões do RS e SC, como Santa Maria (Eletric Funeral) e Chapecó (Velha Infância Rock), além, claro, das duas principais atrações da noite, Viper e Garotos da Rua.
Local com uma excelente infraestrutura, cerveja gelada e de qualidade, além de lanches, recebeu muito bem o público que compareceu, oriundo das mais diversas cidades da região e até de longe (este que vos escreve dirigiu 700 KM para acompanhar o evento).
Intercalando as bandas, a DJ Nikki Nox de Porto Alegre colocou nas caixas sons dos anos 80, além de Hard Rock e Heavy Metal clássico que manteve a galera animada entre as bandas.
A primeira atração foi a Oblivion, banda da casa, que levou de forma competente um set com clássicos do Grunge. Bandas como Soundgarden, Pearl Jam e Nirvana não faltaram. O grupo executa os sons muito bem, curtindo o que estão fazendo. Foi uma ótima forma de começar os trabalhos das bandas.
Na sequência, Ouija, ganhadora da seleção de vagas para o festival, levou seu Rock Alternativo com forte pegada no Gothic para o palco do Na Mira. O grupo é novo, surgiu em 2019 e tem algumas apresentações no currículo, o que revela que certamente a cada nova oportunidade estão fazendo jus as apostas como um grupo diferenciado e talentoso. O grupo apresentou, pela primeira vez, uma composição própria, ainda sem nome, que merece menção (sempre salutar que os grupos componham e apresentem sons inéditos, ponto para a banda).
Dentre os covers, bem executados, estão “Aerials” (System of a Down”), que abriu surpreendentemente bem o show, seguidas por sons de bandas como Evanescence, Paramore (combinando bem com a atuação da vocalista Isabela), Poison Black, Deftones e uma baita versão para “Wicked Game” do HIM (a dobradinha dos vocais entre Isabela e o baixista Tiago Bach é um diferencial raro de se encontrar nas bandas do interior). Fecharam com a releitura muito interessante de “Enter Sandman”, clássico do Metallica que ganhou uma roupagem bem diferente pela banda The Warning, aprovada pela banda e lançada na versão comemorativa do Black Album. Ouija mandou muito bem e certamente a cada nova experiência, com ousadia, vai crescendo em qualidade e efusão.
A terceira banda é de Santa Maria, Eletric Funeral tem a missão de levar para o palco os clássicos e também músicas pouco executadas pelas bandas tributo ao Black Sabbath. Já fazia um tempo que queria vê-los ao vivo, e o Na Mira do Rock proporcionou um show sensacional. O quarteto destilou clássicos que não podem faltar (ápice com “War Pigs”, que além de ser um hino sabbáthico, sempre tem um peso absurdo ao vivo e não foi diferente com a banda) e a gratíssima surpresa com “Zero the Hero”, música do “Born Again” (1983), álbum do Sabbath com Ian Gillan, naquela fase pós Dio e que hoje se tornou um trabalho cultuado em todo o mundo. Já perdi as contas de quantas bandas vi tocarem Sabbath na vida, mas jamais alguma ousou celebrar essa fase da banda. Simplesmente sensacional.
Outro ponto a destacar é que é muito evidente que os caras amam Sabbath e se divertem demais tocando, ao mesmo tempo como se tivessem em um verdadeiro culto aos pais da coisa toda e o público respondeu, sendo o show até então com maior e melhor resposta dos presentes. Até Leandro Caçoilo, vocalista do Viper, foi visto gravando um vídeo da apresentação da banda do lado do palco. Gurizada de Santa Maria representou no palco e no público (uma das excursões presentes).
Pouco antes da entrada da atração principal, Fuga, idealizador do evento, teceu palavras de agradecimentos no palco e foi nítida a paixão e entrega para a realização desse festival, ainda que hoje os tempos sejam outros e o público que curte rock e sai de casa para ver bandas tocarem está ficando escasso, infelizmente. Mas Fuga honrou os presentes e todas as edições desse lendário festival.
Chamando ao palco o Viper, a banda icônica do Heavy Metal nacional iniciou com os dois pés na porta com “Coming from the inside” do disco “Evolution” (1992), primeiro completo com Pit Passarel (baixo) nos vocais. Um disco que dentre todos, é meu favorito, e a grata surpresa do show começar com a primeira faixa do lado A. Ao longo do set, o disco foi representado por mais canção, como a própria faixa título e, claro, a clássica “Rebel Maniac”, sempre um dos pontos altos dos shows da banda, com toda a galera da frente do palco alucinada.
O Viper está com uma nova formação, com a chegada do guitarrista Kiko Shred que se encaixou muito bem ao som da banda, que também conta com Leandro Caçoilo nos vocais (um dia antes do show eleito pelos leitores da Roadie Crew como o 5º melhor vocalista nacional de 2022), e a turma mais antiga com Guilherme Martin na bateria, Felipe Machado na guitarra e Pit Passarel no baixo. Este último, uma das figuras mais emblemáticas do Rock nacional, continua com a ótima presença de palco, sempre simpático e com aquele espírito rock and roll que está cada vez amis raro de se achar. Um dos pontos altos do show foi protagonizado por ele, ao cantar “Coma Rage”, faixa título do álbum de 1995, contando com Leonardo Rechia (Garotos da Rua) no baixo. Foi uma grata surpresa.
Não faltou, claro, valorizar a atual fase da banda que prepara seu primeiro disco de inéditas em 16 anos, com título “Timeless”, e que já teve 3 faixas divulgadas e as executadas no show, com ampla aceitação. Vem um disco aí muito bom com uma formação que une integrantes lá do início da banda, com sangue novo e muito talentoso. Vale menção a presença de palco do Caçoilo, um verdadeiro frontman, que mostra que o Viper escolheu bem a pessoa para continuar o legado dos vocais.
Obviamente que o show trouxe como destaque faixas dos primeiros dois discos, com o saudoso André Matos, como “To Live Again”, “Nightmares”, “H.R.”, “A Cry From the Edge” e “Living for the Night”, provavelmente alguns dos maiores clássicos do som pesado brasileiro de todos os tempos, cantados em uníssono pelos fãs.
Uma apresentação que só bandas com tanto tempo de estrada e com a alcunha de clássicos do Rock e Heavy Metal podem fazer. Um show memorável, que já entrou pra história de Frederico Westphalen e do festival. Por muitos anos, quem lá esteve, vai lembrar e contar para os amigos e familiares que viu o Viper ressurgindo em um show perfeito.
Era chegada a hora de outros dinossauros do Rock, mas com uma pegada diferente. Garotos da Rua também é uma emblemática banda dos anos 1980, mas que também sofreu com as mudanças e hoje, apesar de contar apenas com o baterista Edinho da formação clássica, executou seus hinos que são, correspondentemente, clássicos do rock gaúcho. Quem nunca curtiu sons como “Tô de saco cheio” (que abriu o show), “Eu já sei” e “Meu coração já não suporta mais”? Icônicas canções de um grupo que marcou a história do Rock gaúcho e nacional.
No palco, a atual formação faz jus a essa celebração e em que pese ser praticamente outra banda, honram a memória de Bebeco Garcia e fizeram um show que a plateia curtiu, dançou e cantou praticamente todas as músicas.
Para fechar a noite, e colocando mais energia no palco, Velha Infância Rock trouxe no repertório bandas como Raimundos e Charlie Brown Junior, mostrando que aquela fase anos 1990 e 2000 do Rock nacional talvez tenha sido a última revolucionária até hoje.
Na Mira do Rock em sua provável última edição em Frederico Westphalen encerra um ciclo que remonta aos idos fins dos anos 2000. Muitas vezes me desloquei quilômetros para não perder as edições (pelo que me lembro, perdi apenas a penúltima) e desta feita, em 2023, num mundo pós pandemia, com as pessoas em novos ritmos e hábitos, não podia perder essa última oportunidade de curtir, agitar e rever os amigos dessa cidade que foi, sem sombra de dúvidas, e por vários anos, a maior referência em eventos de Rock, com suas casas de shows, bares e o programa Na Mira do Rock (que segue firme e forte rumo aos 20 anos) e o Festival que encerra com chave de ouro essa bela e imponente história de amor e dedicação ao Rock & Roll. Fica aqui meu agradecimento público ao Fuga e sua equipe de parceiros que, contra todas as probabilidades, ainda nos presentearam com um festival desse nível.