Vilão no desenho e herói na trilha sonora
Por Luis Fernando R. Borges – Coxa
Uma característica do cinema recente, de uma década para cá ou talvez até um pouco mais, é a escassez de filmes adultos. De um lado, remakes de filmes clássicos, invariavelmente ruins. Os remakes, não os filmes clássicos. Ou no mínimo muito inferiores aos originais. E, de outro lado, superproduções da Marvel e franquias do tipo, daquelas que, se são removidas as toneladas de efeitos especiais, não sobra muita coisa. Não é à toa que o Oscar de 2020 – sim, aquele pré-pandemia – foi abocanhado por O Parasita, filme coreano produzido com baixíssimo orçamento mas que apresentava um ótimo enredo – ou melhor, apresentava enredo. Mas enfim, salvo essas exceções, as melhores atrações das salas de cinema – ou ao menos da única aqui de Frederico – acabam sendo mesmo os desenhos infantis.
Claro, todos eles apresentam invariavelmente a mesma estrutura. Começo em ritmo de videogame, até no estilo de filmagem, com cenas mirabolantes e explosivas (literalmente ou quase), para introduzir a história. Na sequência, exposição da trama. Do meio para o final, uma ruptura dramática, em ritmo lento e melancólico. No final, a redenção com outras cenas mirabolantes e explosivas para solucionar a trama, às vezes de forma quase inverossímil. E um fechamento alegre e edificante com tudo dando certo e todos vivendo felizes para sempre, às vezes até mesmo alguns vilões que acabaram se redimindo. E toda essa mesma estrutura é apresentada invariavelmente no mesmo intervalo de tempo de cerca de uma hora e meia.
Mas, em meio a essa repetição de fórmula, é possível encontrar desenhos bem interessantes. Em quantidade bem maior do que é possível encontrar no cinema “não-infantil”. Além disso, e finalmente indo agora para o que interessa neste distinto site, essa produção infantil presta um serviço dos mais relevantes à criançada: a apresentação de clássicos do rock e do pop e da música em geral. Sim, em desenhos recentes para crianças produzidos pelos grandes estúdios, é possível encontrar rocks antigos que muito pouco têm a ver com o circuito comercial da indústria da música atual. Para ficar em um só exemplo, estou com a minha filha no cinema assistindo “A Família Addams 2” (2022), quando de repente começa a tocar “Ace of Spades”, do Motörhead. Foi como que uma senha, um sinal verde, uma carta branca, para tudo virar sinônimo de educação musical. É só eu dizer “olha, é aquela música do filme”, ou então “olha, é a banda que toca aquela música do filme”.
Mas, de um modo geral, esses são casos isolados. A grande maioria dos desenhos atuais traz alguma ou algumas atrações do tipo, mas são poucas, perdidas do meio das histórias. Exceções à regra são os desenhos “Sing” (2016) e “Sing 2” (2022), que aproveitam a temática musical para despejar um caminhão de referências sonoras, atuais e antigas, consagradas ou nem tanto, rock e pop e vários outros estilos. Ainda que não com tanta intensidade, o mesmo vale para a franquia “Trolls”, também relacionada à música.
E também vale para “Minions 2: a origem de Gru”. Produzido pela mesma Illumination que lançou mão da franquia “Sing”, trata-se de outro desenho que possui músicas em profusão. A diferença é que os motivos para isso não são especificamente musicais, e sim temporais. Como a história está situada na infância do então futuro vilão, conforme especificado no subtítulo do desenho, temos uma volta ao tempo, um regresso à década de 1970. E é esse o pretexto para a apresentação de uma trilha sonora calcada predominantemente no funk (não aquele) e na discoteca. É o que o Tarantino faria se fizesse um desenho animado. Essas referências se refletem inclusive nos figurinos e em outros elementos visuais. Mas, como o negócio aqui é o som, devo comentar que essas várias músicas aparecem no filme nas versões originais ou em regravações (provavelmente por motivos de direitos autorais) bem fiéis ao estilo e ao período. Mesmo as duas únicas músicas recentes, feitas especialmente para o desenho, também seguem essa sonoridade setentista, sendo que uma delas é de Verdine White, antigo baixista do Earth, Wind & Fire, e a outra é do Tame Impala interpretada em parceria com Diana Ross. E também não posso deixar de dizer que, em meio a esse turbilhão de pop classudo e dançante, aparece um outro rock isolado: nada menos que “Blietzkrieg Bop”, a primeira música do primeiro disco dos Ramones. E, para alento dos ouvidos mais sensíveis, tem até duas músicas brasileiras, ambas do Tom Jobim, as bossas novas “Wave” e “Desafinado” (ou melhor, “Slightly Out of Tune”), ainda que muito de passagem, com bem pouco destaque, como que um ator figurante, o que aliás aconteceu também com mais algumas músicas.
Quer saber? Cansei de escrever. Aí vai uma playlist de links do youtube, com todas as músicas do desenho, inclusive as figurantes, na sequência em que aparecem lá, e todas nas versões originais ou mais clássicas, e em vídeos ao vivo da época sempre que possível.
Vá ouvir música, em vez de ficar me lendo.
Shining Star (1975), de Earth, Wind & Fire: https://www.youtube.com/watch?v=rl-WSmryfSY
Bang Bang (1966), de Sonny & Cher: https://www.youtube.com/watch?v=KfyBHZc9rK4
Despicable Me (2010), de Pharrell Williams: https://www.youtube.com/watch?v=axbUCR1nKRA
Main Title & First Victim (1975), do filme Tubarão: https://www.youtube.com/watch?v=W8jUBw7ZGlc
Black Magic Woman (1970), de Santana: https://www.youtube.com/watch?v=axbtig7w7a8
Cecilia (1970), de Simon & Garfunkel: https://www.youtube.com/watch?v=a5_QV97eYqM
Bad Moon Rising (1970), de Creedence Clearwater Revival: https://www.youtube.com/watch?v=ALkaW6CTHJA
Vehicle (1970), de The Ides of March: https://www.youtube.com/watch?v=fiLaNEFyCiM
String Quintet in E Major, op. 13: Minuet: https://www.youtube.com/watch?v=sibgGxv64kE
Cat Scratch Fever (1977), de Ted Nugent: https://www.youtube.com/watch?v=fit99l6kHyA
You’re No Good (1974), de Linda Ronstadt: https://www.youtube.com/watch?v=WXnYunvwhiY
Wave (1967), de Tom Jobim: https://www.youtube.com/watch?v=sCp9QDmaJEw
Hollywood Swinging (1973), de Kool & The Gang: https://www.youtube.com/watch?v=2cGvlxtNrxo
All The Young Dudes (1972), de Mott The Hoople: https://www.youtube.com/watch?v=9IqiRY60ZDE
Get Down Tonight (1976), de KC & The Sunshine Band: https://www.youtube.com/watch?v=Py8Uhm0DE_A
Goodbye to Love (1972), de The Carpenters: https://www.youtube.com/watch?v=5LVfpGe3p4E
Blitzkrieg Bop (1976), de Ramones: https://www.youtube.com/watch?v=YREA5WCvDbU
Fly Like an Eagle (198?), de Steve Miller Band: https://www.youtube.com/watch?v=Dd7uv38WsT4
On The Beautiful Blue Danube, op 314: https://www.youtube.com/watch?v=RVqzSMJOyfc
More More More (1976), de Andrea True Connection: https://www.youtube.com/watch?v=yZ_QUh0lmj4
The Conversation (1977), de John T Williams: https://www.youtube.com/watch?v=YVCsTvkYByI
Slighty Out of Tune (196?), de Tom Jobim: https://www.youtube.com/watch?v=g6w3a2v_50U
Funkytown (1980), de Lipps, Inc.: https://www.youtube.com/watch?v=uhzy7JaU2Zc
Dance to the Music (1968), de Sly & The Family Stone: https://www.youtube.com/watch?v=4URogrXiKsI
Born To Be Alive (1978), de Patrick Hernandez: https://www.youtube.com/watch?v=9UaJAnnipkY
Cool (2022), de Verdine White: https://www.youtube.com/watch?v=kuAIlYvocSE
Turn Up the Sunshine (2022), de Tame Impala e Diana Ross: https://www.youtube.com/watch?v=v323ol9siTU
You Can’t Always Get What You Want (1969), de Rolling Stones: https://www.youtube.com/watch?v=Ef9QnZVpVd8