Mudhoney: o grunge não levado a sério
Por Luis Fernando R. Borges
Foi lançado agora no dia 7 de abril o 11º disco do Mudhoney. Em suas 13 faixas, “Plastic Eternity” mostra que o grunge do grupo de Seattle permanece intacto, três décadas após o auge desse movimento e o sucesso de seus conterrâneos. Sim, pois o Mudhoney nunca se destacou nesse quesito, mesmo no período em que esteve contratado por uma grande gravadora (a Reprise), pela qual lançou 3 discos (terceiro, quarto e quinto) entre 1992 e 1998. Quase não fez diferença nesse sentido com relação aos demais 8 discos, inclusive este mais recente, todos lançados pela Sub Pop, selo independente de Seattle e tradicional berço do grunge. Mas em compensação se destacou pela constância e consistência, nunca parando e sempre mantendo a regularidade e qualidade. E esse “Plastic Eternity” é uma prova disso, mantendo todas as características de peso e acidez típicas do quarteto. Nem parece que os caras já estão beirando os 60 anos – ou já tendo adentrado essa faixa etária, como é o caso do cantor e guitarrista Mark Arm.
O movimento grunge foi um grande momento do rock. Muito mais um momento do que um movimento. Momento em que várias bandas de Seattle e arredores, que não eram conhecidas sequer nacionalmente, de uma hora para outra passaram a ter repercussão mundial. Reunidas em um mesmo saco de gatos por força do rótulo de grunge, e capitaneadas pelo sucesso do Nirvana em fins de 1991, primeiramente com o videoclipe de “Smells Like Teen Spirit” e na sequência com o disco “Nevermind”, grupos como Pearl Jam, Alice in Chains e Soundgarden se projetaram para o grande público. Lembro como se fosse hoje, do alto dos meus 16 anos. Mesmo bandas que não se tornaram tão conhecidas, no mínimo deixaram de ser desconhecidas, a exemplo de Screaming Trees, Tad e Melvins, além do próprio Mudhoney. Todas elas diferentes entre si, mas tendo em comum um peso com influências do metal lento estilo Black Sabbath, punk e o rock alternativo americano de garagem dos anos 1980. Menos virtuoso do que o metal, menos tosco do que o punk.
Mas uma coisa sempre me incomodou no grunge. Incômodo que eu só fui perceber com clareza mais recentemente, de uns anos para cá, depois de velho. Trata-se de uma certa postura atormentada, perceptível nas melodias, harmonias e letras, passando pelos vocais e arranjos instrumentais. E eu nem vou fazer aqui aquela relação disso com as várias mortes por suicídio e/ou overdose de alguns integrantes desses grupos ocorridas de lá para cá. E longe de mim não gostar das músicas e das bandas, ainda mais neste período de vacas magras em que o rock se encontra atualmente. Mas me dá um certo bode isso de se levar muito a sério. Fica um rock meio com cara de MPB. Ao menos a sisudez é semelhante.
Uma saudável exceção a essa regra é justamente o Mudhoney. Saudável não no sentido literal, pois o vocalista Mark Arm – responsável também pela guitarra-base – também passou por maus bocados com a heroína na primeira metade dos anos 1990. Antes do Mudhoney, ele esteve à frente do Green River, banda que juntamente com os Melvins é tida como a precursora do som de Seattle. Basta dizer que, a partir do fim do Green River, seus integrantes deram origem a dois grupos: o próprio Mudhoney, pelas mãos de Mark Arm e do guitarrista-solo Steve Turner, e o Mother Love Bone, grupo que contava com o também guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament e que, após a morte por overdose de heroína do vocalista Andrew Wood, trataram de recrutar Eddie Vedder e de mudar de nome para Pearl Jam.
Ou seja, não estamos falando de um estranho no ninho do grunge, muito pelo contrário. O Mudhoney se diferencia pelo despojamento, uma postura desencanada, e nem por isso menos grunge. Contribui para esse despojamento um som pendendo mais para o punk do que para o metal, assim como o Nirvana e ao contrário da maioria das demais bandas. Mas apenas isso não seria o suficiente, o Nirvana que o diga. Para além do som, essa postura aparece em letras e videoclipes, o que por si só é melhor do que qualquer explicação ou teorização que eu fosse elaborar aqui.
Bons exemplos são os vídeos de “Let it Slide”, “Good Enough” e “Who You Drivin’ Now”, todos sonzeiras do disco “Every Good Boy Deserves Fudge” (1991), talvez o mais clássico da banda, e cujo nome por si só é uma zoação – no caso, com o rock sinfônico dos Moody Blues e seu “Every Good Boy Deserves Favour” (1971). Mas o melhor talvez seja o clipe de “Suck You Dry”, do disco seguinte “Piece of Cake” (1992), que mostra um cenário fictício de um evento de “10 anos do grunge” em uma espelunca praticamente vazia, em que eles tocam para um público diminuto e desinteressado, com apenas um cara agitando solitário na plateia. Essa autoironia seguiu adiante na trajetória do grupo, conforme atesta o videoclipe de “I Like it Small”, do disco “Vanishing Point” (2012). E de certa forma faz parte de seus primeiros vídeos, “Touch I’m Sick” e “Here Comes Sickness”, respectivamente de 1988 e 1989, sendo que este último pode ser visto praticamente como uma premonição dos tempos pandêmicos que foram surgir mais de 3 décadas depois.
E não poderiam faltar vídeos saídos desse “Plastic Eternity” recém-saído do forno. No momento, “Almost Everything” e “Little Dogs”. Tomara que venham outros. Enquanto isso, vale assistir aos vídeos e ouvir o disco inteiro. Está tudo no youtube.