Red Hot Pica Pau
Por Luis Fernando R. Borges – Coxa
Foram anunciadas as datas dos cinco shows que o Red Hot Chili Peppers fará no Brasil este ano. Uma delas é 16 de novembro, na Arena do Grêmio, em Porto Alegre. Esse pacote faz parte da “Unlimited Love Tour”, turnê que abrange os 2 discos lançados em 2022 a partir da segunda volta de John Frusciante ao posto de guitarrista da banda, o próprio “Unlimited Love” e “Return of the Dream Canteen”. Esse nome da turnê e de disco por si só me causa um inevitável estranhamento. Como é que uma banda que começou tão literalmente apimentada foi culminar no lançamento de uma sequência de shows intitulada “Amor sem Limite”? Isso é nome de disco do Roberto Carlos.
Desde o lançamento do “Californication”, em 1999, disco que aliás marcou o primeiro retorno de Frusciante após o disco “One Hot Minute (1995), com o ex-Jane’s Addiction Dave Navarro na guitarra, os Red Hot Chili Peppers deram uma significativa abrandada naquilo que o seu som tinha de mais abrasivo. Uma troca de pimenta por pimentão. Claro, esse foi o disco de maior sucesso e com mais sucessos da banda, superando inclusive o “Blood Sugar Sex Magic”, de 1991, o segundo e último do guitarrista antes de sua primeira saída. E ninguém aqui está dizendo que isso foi feito por motivos deliberadamente comerciais. Tanto que no disco seguinte, o “By The Way”, de 2002, eles carregaram tanto nos ingredientes açucarados e melosos que chega a ser anticomercial. A propósito, o último disco deles que realmente emplacou hits foi o “Stadium Arcadium”, de 2006, o terceiro e último de Frusciante antes de sua segunda saída. E também não estou dizendo que esses e os 4 discos seguintes lançados desde então são ruins. Todos eles – inclusive “I’m With You” (2011) e “The Getaway” (2016), os dois em que Josh Klinghoffer fez as vezes de guitarrista da banda – possuem méritos artísticos, esforços criativos e ao menos algumas músicas boas. Nenhum foi feito para cumprir tabela, simplesmente para servir de pretexto para saírem em turnê.
Reconhecidos esses atributos, porém, fica difícil ouvir essa fase – que já dura quase um quarto de século – para quem tomou contato com o som dos caras na virada dos anos 1980 para os 1990. No meu caso, foi com o “Mother’s Milk”, de 1989, que marcou a estreia de Frusciante e também do baterista Chad Smith, que substituíram respectivamente Hillel Slovak – morto por overdose de heroína no ano anterior – e Jack Irons, e assim se juntaram ao vocalista Anthony Kiedis e ao baixista Flea, em uma união que, entre idas e vindas do guitarrista, perdura até hoje. Aí sim a pimenta realmente ardia. E, antes do início da fase comportada, eu já havia ouvido os discos anteriores deles – o homônimo de 1984, o “Freaky Styley” (1985) e o “The Uplift Mofo Party Plan” (1987). Ainda mais para quem faz o percurso inverso ao meu e toma contato com esses discos tendo como referência apenas a “versão 2.0”, fica difícil acreditar que se trata da mesma banda.
Confesso que até entendo o lado deles. Ficaria difícil seguirem fazendo esse tipo de som. Talvez realmente parecesse esquisito que versos edificantes como “I want a party in your pussy, baby” fossem hoje escritos e entoados por um senhor sexagenário como Anthony Kiedis. Chega a ser saudável que queiram se renovar. E, justiça seja feita, até hoje nenhum dos 13 discos deles foi mera repetição de fórmula do anterior ou de qualquer outro. Como eu já disse, sem dúvida possuem suas qualidades. Mas é como assistir aos desenhos do Pica Pau lançados a partir da década de 1950 após tomar contato com os primeiros, da década anterior. Aquele pássaro domesticado e apessoado com certeza rendeu desenhos interessantes, mas sou bem mais a selvageria do “Pica Pau maluco”, ainda mais com direito a dentes na ponta do bico e patas de polainas.
Caso esteja achando um tanto esdrúxula essa comparação, sugiro procurar por videoclipes alucinados da banda como “Fight Like a Brave” (1987), “True Men Don’t Kill Coyotes” (1984), “Catholic School Girls Rule”, “Jungle Man” (1985) e “Higher Ground” (1989), além de não menos insanas apresentações ao vivo e aparições televisivas de 1984 até o início dos anos 1990. Inclusive o primeiro show deles no país, no Hollywood Rock de 1993, em que contavam com os competentes serviços de Arik Marshall, primeira tentativa de substituir Frusciante e que saiu logo depois.
Quem na época presenciou – ainda que pela televisão, como foi o meu caso – uma performance como essa, que completou três décadas em janeiro, jamais poderia imaginar que a plateia da banda se tornaria essencialmente a mesma do Coldplay. Que aliás, acabou de passar por aqui.