Entrevista com Eliton Tomasi

Entrevista com Eliton Tomasi

Por Luiz Nunes (Fuga)

Gestor e produtor cultural, crítico musical, contrabaixista e compositor. Eliton foi fundador e editor-chefe da revista Valhalla (Rock Hard Brasil) – uma das mais importantes revistas especializadas em rock já existentes no Brasil – através da qual tornou-se um experiente e respeitado jornalista de rock. Há 25 anos atua como produtor de shows e eventos tendo já realizado desde pequenas gigs até produções internacionais de grande porte. Especializou-se na função de empresário e gestor de bandas e artistas nacionais e internacionais, participando da elaboração e aprovação de diversos projetos culturais na área da música (rock) e realizando turnês frequentes por todo Brasil e em mais de 15 países da Europa.

Fuga: Eliton, como foi sua experiência inicial com o rock, o heavy metal?

Eliton Tomasi: Antes de mais nada, muito obrigado, Fuga, pelo interesse em meu trabalho, pelo seu tempo em elaborar essa entrevista e por esse espaço. Meu interesse pela música veio quando eu tinha entre 11 e 12 anos de idade. Me lembro de minha mãe ouvindo algumas fitas com músicas do Beatles, Creedence, entre outros artistas brasileiros. Passei então, desde cedo, comprar revistas e pesquisar sobre bandas, artistas e discos. Em 1991 eu tinha 14 anos e a segunda edição do Rock In Rio me impactou profundamente, bem como o início da MTV no Brasil, um ano antes. Vivi uma época privilegiada com muito rock e heavy metal nos meios de comunicação convencionais da época, mais especificamente a televisão.

Fuga: Das vezes que li suas resenhas, artigos e afins na Rock Hard entre outras mídias, notei que a filosofia permeava, muitas vezes seus textos/palavras. Dito isso:  Fale desse link filosófico/espiritual que você “usa” junto ao seu trabalho… e, muito bem por sinal…

Eliton Tomasi: Muito obrigado, Fuga. De fato, desde criança, sempre tive um lado muito existencial. Sempre houve, em mim, o desejo por me conhecer, conhecer o outro e copnhecer a vida. Talvez esse próprio aspecto tenha sido uma porta de entrada para o rock, que é um dos poucos gêneros musicais que ousam ir além das questões cotidianas superficiais. Portanto, em paralelo aos discos que comprava, bandas e artistas que conhecia, eu também comprava livros e conhecia autores e pensadores. E da mesma forma que a música foi moldando minha identidade, assim foi com o existencialismo. Uso o termo existencialismo por que, para mim, exprime melhor minha relação com esse aspecto que você abordou em sua pergunta, sem me prender muito ao academicismo da filosofia e ao esoterismo da espiritualidade. Explorar esses temas nos canais e plataformas de rock em que me expresso é, portanto, talvez, o melhor dos exercícios de existir. Osho, Nietzsche, Sartre, Foucault, Freud, Ghandi, são alguns dos autores que muito me inspiram, entre tantos outros.

Fuga: Conte-nos um dos melhores momentos junto a revista Rock Hard Valhalla.

Eliton Tomasi:
Sem dúvida o melhor momento foi por volta de 2001, quando chegamos à 10ª edição e a Valhalla atingiu um nível econômico sustentável que me possibilitou deixar meu emprego como analista de sistemas e me dedicar só a revista. Também por volta de 2004 quando chegamos à edição 24 e fechamos uma parceria com a Editora HMP que nos possibilitou um nível de qualidade muito maior, em todas as frentes do negócio editorial. Outros momentos muito bacanas foram as dezenas de coberturas de shows e festivais que fizemos, algumas entrevistas com alguns dos meus artistas preferidos como Tony Iommi, por exemplo.

Fuga: Quando você levou bandas para fora do país, sendo produtor do ‘Som do Darma’, como quando acompanhou a Uganga, qual a sensação que você teve,  quanto a recepção do som/metal feito no Brasil?

Eliton Tomasi: A primeira turnê internacional que promovi foi em 2009 com o Hellish War. Passamos três semanas em tour pela Europa tocando em pubs e também em festivais bem legais como o Swordbrothers Festival na Alemanha e o Live To Rock na Suíça. De lá para cá foram dezenas de outras bandas que levamos em tour pela Europa. Para mim, o ponto mais impactante de se fazer turnês desse tipo, para bandas do underground, está no nível pessoal de experiência que se tira disso. Sim, todo mundo já sabe que na Europa tem uma estrutura melhor, tem mais bares e espaços para metal, equipamentos, logística, tudo é mais preparado, tão quanto qualquer outro setor quando se comparado as condições de um país de primeiro mundo com outro subdesenvolvido. Em relação a público, é a mesma coisa daqui, tem shows que tem um público legal, outros são péssimos. Então, no caso de banda underground, que é o tipo de banda que eu trabalho, a experiência subjetiva aparece mais. Aliás, quando o lucro vem em primeiro lugar, perde-se tanto!

Fuga: Sei que és muito fã do rock progressivo. Qual seria seu Top 5 da vida, conta pra gente, Eliton, e justifique?

Eliton Tomasi: Sim, adoro rock progressivo e muitas dessas bandas estão entre minhas preferidas. Vamos lá então:

1) Yes – Close To The Edge: O Yes é minha segunda banda preferida, depois do Black Sabbath. E esse disco tivesse apenas a “And You And I”, ainda seria meu preferido da banda.

2) Genesis – The Lamb Lies Down On Broadway: Eu adoro todas as fases do Genesis, inclusive a pop. Eu poderia citar aqui algum disco da fase pós-Gabriel como “Trick Of The Tail” ou “Wind And Wunthering” que são discos que eu amo,  e talvez alguns que eu mais ouça, mas vou ficar com The Lamb que representa bem o que é o Genesis como um todo. Aliás, “The Lamia”, desse álbum,  é uma das minhas músicas preferidas de rock progressivo de todos os tempos.

3) King Crimson – In The Court Of The Crinsom King: Tenho a capa desse álbum tatuado no meu antebraço esquerdo. Para mim, é a representação máximo do gênero rock progressivo.

4) Emerson, Lake & Palmer – Tarkus: Nossa, que disco pesado, violento, muito mais porrada do que muitos discos de metal extremo. Obra prima.

5) Camel – Moonmadness: A sensibilidade e a sutileza são características muito importantes do rock progressivo e Andy Latimer é o mestre nisso.

Fuga: Nos fale sobre o festival online, Roadie Crew. Como rolou a ideia? E relate sua sensação, depois de praticamente 30 edições realizadas.


Eliton Tomasi: O Roadie Crew – Online Festival nasceu como uma alternativa criativa ao desafio da pandemia de Covid-19. Aqui na Som do Darma tivemos que cancelar vários shows e turnês, e na tentativa de minimizar as frustrações, pensamos na ideia de um festival online com vídeos do tipo “collab” que era o que seria possível fazer naquela época devido aos protocolos sanitários. Era uma ideia que manteria as bandas em atividade e criaríamos conteúdo para o público que estava em lockdown. Mostrei a ideia ao Claudio Vicentim da Roadie Crew e ele topou. Em Abril de 2020 transmitimos a primeira edição, há exatamente dois anos. De lá para cá, o festival/programa foi sempre se desenvolvendo, melhorando na sua entrega, até que fomos vencedores do Prêmio Dynamite 2021 na categoria “Melhor Evento”. Também foi muito legal ter desenvolvido os projetos inclusivos como She, Rob e Black Lives Metal que, a meu ver, tenta diminuir a distância entre as diferentes identidades do público headbanger. Acho que o único entre os festivais online criados no período da pandemia que permanece ativo. Todo mês temos uma média entre 2500 e 3000 pessoas que assistem o festival. Pode não ser muito para a megalomania dos views do mundo da internet, mas considerando que é um festival online só de bandas do undergound brasileiro, que show de metal underground hoje tem esse público?

Fuga: Suas considerações finais, amigo Eliton. Sobre o dia mundial do rock e tudo mais que desejar falar… A ‘mira do rock’ agradece muito, pelo seu valioso tempo conosco, e suas palavras 🤘🏻

Eliton Tomasi: O dia mundial do rock para mim é todo dia, já que não passo um só dia sem ouvir rock. Sempre desconfio dessas datas comemorativas pois por trás delas sempre há algum interesse econômico. O lucro prevalece sob a memória, a identidade e o senso de pertencimento que um movimento cultural é capaz de proporcionar a um indivíduo. No dia internacional do rock era para termos shows de rock gratuitos em cada cidade do mundo, pois se há um gênero musical que é universal, esse é o rock. Mas quando o dinheiro não está em jogo, não há interesse do poder público ou privado em tornar o mundo um lugar melhor. Não há interesse nem mesmo das pessoas e dos próprios roqueiros em viver uma vida melhor. Estamos tão habituados ao ruim, ao pessimismo e ao negativo que viver celebrando a vida é o maior dos crimes. Prefiro seguir sendo esse tipo de criminoso. Viva O Rock. Viva o Metal!
Obrigado, Fuga.

Lived (banda)
Roadie Crew Online Festival
Palestra Sesc 2018

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